terça-feira, 25 de setembro de 2018

Pode o fascismo ser neoliberal? Um precedente do integralismo brasileiro


 
por Gilberto Calil
Esquerda Online

A destacada participação do economista neoliberal Paulo Guedes na campanha do candidato fascista à presidência tem deixado muita gente surpresa, pois é recorrente a imagem do fascismo como movimento antiliberal (ao menos em termos políticos) e defensor de um projeto econômico nacionalista, da mesma forma que os neoliberais costumam se reivindicar como defensores da democracia – ao menos quando se trata de condenar regimes que qualificam como ditaduras de esquerda.

A discussão dos limites, características e ambiguidades do neoliberalismo extrapola os limites deste artigo. De forma bastante simplificadora, é importante registrar que a despeito de referência ao termo “neoliberalismo” por autores como Ludwig von Mises em período anterior, os marcos de constituição do pensamento neoliberal são a publicação do livro O caminho da servidão, de Friedrich Hayek, em 1946, e a constituição da Sociedade Mont Pèlerin, no ano seguinte, sob a liderança do próprio Hayek e de Milton Friedman, sistematizando um ideário econômico que seria propagado nas décadas seguintes e transformado em política econômica concreta na década de 1970, em resposta à crise do petróleo de 1973.

A história é profícua em exemplos que contrariam a suposta incompatibilidade entre fascismo e neoliberalismo. Entre os mais conhecidos, pode-se citar o entusiasmado apoio de von Mises ao fascismo e sua atuação como conselheiro econômico na ditadura de Dolfuss, na Áustria[1], além da conhecida participação de Milton Friedman e dos Chicago Boys[2] na ditadura Pinochet[3]. Pode-se argumentar que von Mises é um vulgarizador de pouca expressão e que reivindicava a “Escola Austríaca” como movimento à parte, ou ainda que a ditadura Pinochet não foi propriamente fascista, se seguirmos uma conceituação rigorosa, já que caracterizou-se como um regime de Terrorismo de Estado que utilizou-se métodos semelhantes aos do fascismo, mas que sustentava-se mais pela desmobilização política forçada do que pela mobilização de adeptos, como é característico do fascismo. Em todo caso, ao menos comprovam a artificialidade das proclamações “democráticas” dos neoliberais. Bem menos conhecida, e bastante elucidativa, por sua vez, é a adesão dos fascistas brasileiros ao projeto neoliberal.

Integralismo e neoliberalismo

O integralismo foi o mais importante movimento fascista na história brasileira[4]. Constituído em 1932, sob a liderança do escritor e jornalista Plínio Salgado, o movimento integralista teve uma primeira e mais destacada etapa de atuação entre 1932 e 1937, com a Ação Integralista Brasileira, que chegou a reunir em torno de 500.000 adeptos em uma organização tipicamente fascista, marcada por rígida disciplina, uso de uniforme (“camisa-verde”), pela saudação “Anauê” e pelo lema “Deus, Pátria e Família”. Naquele contexto particular, marcado pela ascensão na Europa dos movimentos fascistas, junto ao anticomunismo, o discurso do movimento era marcado também pelo antiliberalismo político e por uma certa concepção nacionalista de economia, incluindo a defesa da intervenção econômica do Estado e proteção ao mercado interno. Em 1937, os integralistas participaram ativamente do golpe que deflagrou o Estado Novo, mas foram descartados por Vargas, e depois de uma fracassada “intentona” em maio de 1938, caíram na clandestinidade, ainda que Vargas tenha permitido que Plínio Salgado se exilasse em Portugal, em troca de seu apoio à ditadura estadonovista[5] . Em 1945, no contexto da redemocratização, os integralistas constituíram o Partido de Representação Popular, através do qual atuariam durante todo o período que se segue, até a extinção dos partidos políticos em 1965[6]. Apoiaram ativamente o Golpe de 1964 e ocuparam algumas posições de destaque na ditadura, mantendo atuação unificada até a morte de Plínio Salgado, em 1975[7]. Desde então, há uma intensa disputa em torno da liderança e fragmentação em várias organizações, bem como participação em partidos como o PRONA de Enéas Carneiro e mais recentemente o PRTB de Levy Fidélix e Mourão Filho[8]. Atualmente não contam com nenhuma organização relevante, e dentre as várias que disputam o legado integralista a principal parece ser a Frente Integralista Brasileira (FIB), liderada por Victor Barbuy, diretamente atuante na campanha de Jair Bolsonaro[9].

A adesão do integralismo ao ideário neoliberal é praticamente contemporânea à constituição da Sociedade Mont Pèlerin, e marca a atuação do PRP entre 1945 e 1965. Ainda que seguisse se proclamando “nacionalista”, reduzia o significado do termo a elementos simbólicos sem qualquer decorrência social e econômica, e colocava-se em aberta oposição ao projeto nacional de desenvolvimento propugnado pelos trabalhistas, inclusive confundindo propositalmente intervenção do Estado com nazismo, em uma confusão deliberada muito semelhante ao que fazem os propugnadores da falácia de que “o nazismo era de esquerda”:

Nosso Nacionalismo é equilibrado porque se subordina a uma filosofia que faz do Homem a base de toda construção social. E aqui está a diferença entre o Nacionalismo Integralista e esse outro Nacionalismo que se prega atualmente no Brasil. (…). O Nacionalismo que atualmente se prega no Brasil é nitidamente estatizante, ou estatista, confundindo a Nação com o Estado. Podemos, pois, adicionar-lhe um adjetivo para termos dele uma ideia exata, dizendo que é um Nacionalismo Socialista, idêntico ao Nacional-Socialismo de Hitler. Firma um princípio do qual se podem tirar as piores consequências, desde a abolição da iniciativa privada no campo da economia até a supressão da liberdade de ensino e, finalmente de toda a liberdade do Homem, que gradualmente vai sendo absorvido pelo Estado.[10]

Concretamente, os fascistas brasileiros colocaram-se contra o monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás e defenderam que o capital externo fosse tratado em “igualdade de condições”. Salgado repetia o mantra neoliberal, afirmando textualmente que “toda intervenção do Estado no ritmo normal da produção e do comércio é nociva[11].

No contexto do pós-guerra, para sobreviver politicamente os integralistas precisavam se apresentar como “democratas”, e o caminho para isto foi frequentemente associar o nazismo ao comunismo, propondo que ambos eram estatistas, identificando intervenção estatal na economia com ditadura. Nesta argumentação, a referência a Friederich Hayek era explícita: “Repugna-nos a ideia das planificações com excessiva intervenção do Estado, mesmo nas democracias liberais, como hoje acontece, as quais levam, na opinião de Friederich Hayek, ao caminho da servidão e da ditadura”. (12) Em sua argumentação, a estatização seria resultado da “influência comunista”:

Nos últimos anos a estatização teve grande impulso no país. Por incrível que pareça, partidos e homens públicos que defendem a democracia, a livre empresa, a liberdade de produzir e de distribuir, o capitalismo vigente no Ocidente democrático, ora se uniram aos socialistas e totalitários, ora se omitiram, ora egoisticamente apoiaram medidas estatizantes, em completo desacordo com as teorias e os programas de seus partidos e seus próprios. A influência comunista, por outro lado, foi decisiva para uma série de medidas, iniciativas e decretos governamentais ou leis do Congresso Nacional. Foi para o bem da Nação, para a coletividade brasileira, para a estabilidade econômica e financeira do país? Não, infelizmente não. E com um agravante: serviços públicos que, em outros países, dirigidos pelo Estado, funcionam razoavelmente bem, aqui redundaram num fracasso total, desastroso para a Nação e para a economia popular.[13]

Na toada da cantilena neoliberal, Salgado repetia que os serviços públicos seriam deficitários, deficientes, morosos e ineficientes, e que a grande solução para os problemas seria a privatização. Referindo-se explicitamente à Petrobrás e à Eletrobrás, em 1962 defendia sua privatização:

Nossa sugestão é de abri-las ao capital privado, com participação de capital da União, e sujeitas a uma legislação adequada, que resguarde esse importante patrimônio nacional contra quaisquer outros interesses que não sejam os da salvaguarda da nossa economia. Cremos sinceramente que o Estado deva reduzir seus encargos, principalmente aqueles que são estranhos à sua finalidade natural. Devemos ter a coragem de pensar e agir assim. Não se deve esquecer que outras nações, por sinal poderosas, não temem que sua segurança possa ser afetada pelo exercício pleno da livre empresa, do capitalismo democrático que defendemos.[14]

Sem máscaras, temos aqui o principal líder fascista brasileiro defendendo a privatização como símbolo do “capitalismo democrático”! Mas, curiosamente, Hayek não era citado apenas para fundamentar a defesa de uma perspectiva econômica neoliberal, mas também a imposição de limites ao efetivo exercício da democracia:

Como disse Hayek, no seu livro, O caminho da servidão, se delegarmos poderes ao Executivo para planejar e executar à vontade – hoje um presidente, amanhã outro e depois de amanhã ainda outro – iremos abdicando gradualmente da nossa liberdade, de nossas prerrogativas e caminhando, inexoravelmente, para a ditadura, abrindo mão, cada dia mais, de nossas prerrogativas e do direito e do dever de intervir.[15]

Evidentemente Salgado não tinha se convertido à democracia. Se o contexto o obrigava a declarar-se democrático, fazia isto de forma muito peculiar, defendendo uma democracia “defensiva”, que reprimisse todos aqueles que ele próprio qualificava como não-democráticos, enquanto aguardava condições mais favoráveis para proclamar abertamente sua visão (o que efetivamente fez depois do Golpe de 1964).[16] E para o desenvolvimento desta argumentação, as posições antidemocráticas de Hayek caiam como uma luva.

O alegado “estatismo” se expressaria nos supostamente elevados gastos públicos e dava origem a um discurso que aderia integralmente à plataforma neoliberal, calcado na tese da ineficiência das empresas estatais, como se vê em um panfleto eleitoral de 1954:

S. sabe que se não há abundância de eletricidade neste nosso Estado querido, é porque elementos incapazes não souberam reconhecer ao capital livre, nacional ou estrangeiro, seus direitos naturais de fazer face às necessidades que se previa, de energia elétrica, mediante remuneração apropriada? (…) V. S. sabe que se não há abundância de telefones nesse nosso Estado querido é porque elementos incapazes não souberam reconhecer ao capital livre, nacional ou estrangeiro, seus direitos naturais de fazer face às necessidades que se previa, de mais telefone, mediante remuneração apropriada? (…) V.S. sabe que podemos modificar tudo isso e ter eletricidade, telefone, petróleo e dólares em abundância, elegendo governantes e legisladores que lutem por esses princípios de remuneração justa do capital empregue?[17]

Em relação aos trabalhadores, demandavam do Estado a repressão às greves e o controle sobre os sindicatos, deixando evidente que o “antiestatismo” valia apenas para o terreno econômico. Chegaram a criar uma entidade com pretensão de representar os trabalhadores, a União Operária e Camponesa do Brasil (UOCB), suja principal bandeira era, incrivelmente, a oposição ao reajuste dos salários, em uma argumentação tipicamente neoliberal:

Não deveis prosseguir na campanha dos aumentos de salários. Nós já temos três duras provas dos aumentos, todas elas provas lamentáveis. O custo de vida subiu mais, e subirá todas as vezes em que se aumentarem os salários!… (…) Os aumentos de salários são fome e misérias, desemprego em massa, nenhum Líder Trabalhista do mundo resolve os problemas dos trabalhadores com aumentos de salários. O momento em que estamos vivendo é dos mais dramáticos e de nós exigem sacrifícios, e de todos. Não devemos prosseguir nos aumentos, e sim na participação nos lucros. (…) Srs. Líderes Trabalhistas, não falem mais em aumentos de salário. Isto é desgraça para o trabalhador, tudo sobe em dobro, vestuários, alimentação, aluguéis, remédios, etc.[18]

Mais curioso ainda é observar que, bem de acordo com a tradição do neoliberalismo brasileiro, a defesa do enxugamento do Estado era seletiva e não impedia que se reivindicasse periodicamente sua intervenção para ajudar setores específicos da burguesia em dificuldades. Em 1959, por exemplo, o deputado integralista e cafeicultor Osvaldo Zanello, chegou a apresentar um projeto de Lei segundo o qual “o Instituto Brasileiro do Café, nos termos da Lei Orgânica, comprará, diretamente aos produtores, todo o café da safra 1959-60[19], assim como outros parlamentares integralistas fizeram em relação a outros setores, como a triticultura. Tal contradição não os torna menos neoliberais, ao contrário, os iguala em uma característica que atravessa diferentes grupos políticos neoliberais no Brasil.

Para finalizar

Ao longo dos vinte anos de atuação do integralismo através do Partido de Representação (1945-1965), Hayek e o neoliberalismo constituíam uma corrente minoritária do pensamento econômico e não fundamentavam políticas governamentais, o que só mudaria a partir da ditadura de Pinochet (1973-1990) e dos governos de Margareth Tatcher na Inglaterra (1979-1990) e Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989). Ainda assim, o fascismo brasileiro participou ativamente da propagação do ideário neoliberal, atacando políticas públicas, criticando os direitos trabalhistas e defendendo privatizações.

O precedente integralista nos ajuda a compreender as formas específicas que o fascismo assume para se adaptar a distintos contextos políticos, seja jurando solenemente compromisso “democrático” ao mesmo tempo em que buscava esvaziar o sentido do termo, seja incorporando uma perspectiva econômica estritamente neoliberal. Não se trata aqui de alargar irresponsavelmente o conceito de fascismo abarcando indistintamente movimentos de direita das mais variadas características (o que certamente constitui um erro), mas de observar a plasticidade com se adequa às condições concretas em que atua para potencializar sua ação.

O integralismo historicamente expressou a ameaça fascista no Brasil. Em seu ápice eleitoral, em 1955, a candidatura presidencial de Plínio Salgado obteve 8% dos votos no país (tendo sido o mais votado em Curitiba). Hoje o candidato fascista, apoiado por neointegralistas, neonazistas e saudosistas da ditadura, aparece com uma intenção de votos três vezes superior. Anticomunismo, neoliberalismo, instrumentalização da religião, machismo e truculência são elementos em comum que estabelecem um processo de continuidade. Mais do que nunca, a ameaça fascista é concreta. É necessário derrotar o fascismo, imediatamente no processo eleitoral, e na sequência em sua dimensão social.

Elenão!

= = =
Notas

[1] Para maiores informações sobre von Mises e a Escola Austríaca, ver o primeiro capítulo de DAL PAI, Raphael. Instituto von Mises Brasil: arautos do anarcocapitalismo. Dissertação de Mestrado em História. Marechal Cândido Rondon: Unioeste, 2017, 228 p. Disponível em http://tede.unioeste.br/bitstream/tede/3160/5/Raphael_%20Dal_Pai_2017
[2] A Universidade de Chicago é o maior centro de difusão do neoliberalismo e de formação de economistas a ele associados, conhecidos como “Chicago Boys”.
[3] Uma leitura bastante informativa a respeito é o texto de Luan Toja, “Liberalismo e nazifascismo possuem mais afinidades do que você imagina”, disponível em. https://voyager1.net/historia/pare-de-achar-que-liberalismo-e-fascismo-sao-opostos/
[4] A despeito de algumas posições em contrário, a grande maioria dos historiadores reconhece o caráter fascista do integralismo brasileiro. Para uma discussão detalhada desta qualificação, ver o segundo capítulo de CALIL, Gilberto. O integralismo no processo político brasileiro – o PRP entre 1945 e 1965: cães de guarda da ordem burguesa. Tese de Doutoramento em História. Niterói; UFF, 2005, 819p. Disponível em https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/08/G-Calil-tese-doutorado.pdf
[5] CALIL, Gilberto. “Os integralistas frente ao Estado Novo: euforia, decepção e subordinação. Locus, Juiz de Fora. V. 16, n. 1, 2010, p. 65-86. Disponível em https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/view/979/831
[6] CALIL, Gilberto. Integralismo e hegemonia burguesa. Cascavel: Edunioeste, 2010, 402p.
[7] CALIL, Gilberto. “Os integralistas e o Golpe de 1964”, História e Luta de Classes, Rio de Janeiro, n. 1, abril 2005, p. 55-76. Disponível em http://dev.historiaelutadeclasses.com.br/upload/arquivo/2017/11/fb29e19ca9c1145d914795a8427d76dd69dda268
[8] Ver a respeito REIS, Natalia. “A ideologia do Sigma hoje: neo-integralismo, intolerância e memória. História: Questões & Debates, Curitiba, 2007, n. 46, p. 113-138 (disponível em https://revistas.ufpr.br/historia/article/viewFile/11328/7893); CALDEIRA NETO, Odilom. “Frente Nacionalista, neofascismo e ‘novas direitas’ no Brasil. Faces de Clio, Porto Alegre, v 2, n. 4, jul. 2016, p. 20-36 (disponível em http://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/4.Artigo-D2.-Odilon.pdf); e BARBOSA, Jefferson Rodrigues. BARBOSA, Jefferson Rodrigues. Chauvinismo e extrema direita: crítica aos herdeiros do sigma. São Paulo: Editora da UNESP Digital, 2015 (disponível em http://dx.doi.org/10.4025/dialogos.v20i3.33360)
[9] O candidato do PRTB ao governo de São Paulo, Rodrigo Tavares, respondeu o apoio da FIB com a saudação integralista “Anauê”. https://www.facebook.com/mauricioorestes.parisi/videos/10213037781600745/?hc_location=ufi
[10] Entrevista concedida por Plínio Salgado a O Jornal, Rio de Janeiro, fev. 1959
[11] SALGADO, Plínio. Doutrinas econômicas. A Marcha, Rio de Janeiro, 19.6.1953, p. 3.
[12] SALGADO, Plínio. Trigésimo aniversário da Ação Integralista Brasileira e atualidade de seus princípios, 6.4.1962. In: Discursos Parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982, p. 466-485, p. 472.
[13] Empresas estatais. Original Datilografado, s./d. Arquivo Público e Histórico de Rio Claro – Fundo Plínio Salgado, 006.005.009. Trata-se, provavelmente, do registro de resposta a uma entrevista.
[14] SALGADO, Trigésimo aniversário…, op. cit. Grifo meu.
[15] SALGADO, Plínio. Necessidade de modificação na estrutura político-administrativa do Estado brasileiro, 10.10.1959. In: Discursos parlamentares, op. cit., p. 128-140.
[16] Discutimos esta construção argumentativa em “A defesa de uma ‘democracia’ autoritária e restrita”. In: CALIL, O Integralismo no processo político brasileiro…, op. cit., p. 701-717.
[17] Panfleto anexo à Circular Eleitoral do PRP-SP, setembro de 1954 (Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, Fundo Plínio Salgado, Pprp 00.09.54). Grifos meus.
[18] Manifesto aos Membros do II Congresso Sindical do Estado de Minas Gerais, s./d. (1960) (Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, Fundo Plínio Salgado, 014.007.012).
[19] O Pensamento do PRP sobre café e câmbio. A Marcha, Rio de Janeiro 3.7.1959, p. 4.

= = =

sábado, 8 de setembro de 2018

Por que os marxistas se opõem ao terrorismo individual


por Leon Trotsky
Der Kampf/1911

Nossos inimigos de classe têm o costume de queixar-se de nosso terrorismo. Eles gostariam de por o rótulo de terrorismo a todas as ações do proletariado dirigidas contra os interesses do inimigo de classe. Para eles, o método principal de terrorismo é a greve. A ameaça de uma greve, a organização de piquetes de greve, o boicote econômico a um patrão super explorador, o boicote moral a um traidor de nossas próprias filas: tudo isso e muito mais é qualificado de terrorismo. Se por terrorismo se entende qualquer coisa que atemorize o prejudique o inimigo, então a luta de classes não é outra coisa senão terrorismo. E o único que resta considerar é se os políticos burgueses têm o direito de proclamar sua indignação moral acerca do terrorismo proletário, quando todo seu aparato estatal, com suas leis, polícia e exército não é senão um instrumento do terror capitalista.

No entanto, devemos assinalar que quando nos jogam na cara o terrorismo, tratam, ainda que nem sempre de forma consciente, de dar-lhe a esta palavra uma sentido mais estrito, menos indireto. Por exemplo, a destruição das máquinas por parte dos trabalhadores é terrorismo neste sentido estrito do termo. A morte de um patrão, a ameaça de incendiar uma fábrica ou matar o seu dono, o atentado a mão armada contra um ministro: todos estes são atos terroristas no sentido estrito do termo. Não obstante, qualquer um que conheça a verdadeira natureza da social-democracia internacional deve saber que ela tem se colocado em oposição da maneira mais irreconciliável a esta classe de terrorismo.

Por que? O “terror” mediante a ameaça ou a ação grevista é patrimônio dos operários industriais ou agrícolas. O significado social de uma greve depende, em primeiro lugar, do tamanho da empresa ou ramo da indústria afetada; em segundo lugar, do grau de organização, disciplina e disposição para a ação dos operários que participam. Isto é certo tanto em uma greve econômica ou política. Segue sendo o método de luta que surge diretamente do lugar que na sociedade moderna ocupa o proletariado no processo de produção.

Para desenvolver-se, o sistema capitalista requer uma superestrutura parlamentar. Porém ao não poder confinar o proletariado em um gueto político, deve permitir cedo ou tarde, sua participação no parlamento. Nas eleições se expressa o caráter de massa do proletariado e seu nível de desenvolvimento político, qualidades determinadas por seu papel social, sobretudo por seu papel na produção.

Do mesmo modo que numa greve, nas eleições o método, objetivos e resultado da luta dependem do papel social e da força do proletariado como classe. Somente os operários podem fazer greve. Os artesãos arruinados pela fábrica, os camponeses cuja água envenena a fábrica, os lumpen-proletários em busca de um bom botim, podem destruir as máquinas, incendiar a fábrica ou assassinar o dono.

Somente a classe operária consciente e organizada pode enviar uma forte representação ao parlamento para cuidar dos interesses proletários. No entanto, para assassinar a um funcionário do governo não é necessário contar com as massas organizadas. A receita para fabricar explosivos é acessível a todo o mundo, e qualquer um pode conseguir uma pistola.

No primeiro caso, há uma luta social, cujos métodos e vias se desprendem da natureza da ordem social imperante; no segundo, uma reação puramente mecânica que é idêntica em todo o mundo, desde a China até a França: assassinatos, explosões, etc., porém totalmente inócua em relação ao sistema social.

Uma greve, inclusive uma modesta, tem consequências sociais: fortalecimento da autoconfiança dos operários, crescimento do sindicato, e, com não pouca frequência, uma melhora na tecnologia produtiva. O assassinato do dono da fábrica provoca apenas efeitos policiais, ou uma troca de proprietário desprovida de toda significação social.

Para que um atentado terrorista, mesmo um que obtenha “êxito”, crie confusão na classe dominante, depende da situação política concreta. Seja como for, a confusão terá vida curta; o estado capitalista não se baseia em ministros de estado e não é eliminado com o desaparecimento deles. As classes a que servem sempre encontrarão pessoas para substituí-los; o mecanismo permanece intacto e em funcionamento.

Todavia, a desordem que produz um atentado terrorista nas filas da classe operária é muito mais profunda. Se para alcançar os objetivos basta armar-se com uma pistola, para que serve esforçar-se na luta de classes? Se um pouco de pólvora e um pedaço de chumbo bastam para perfurar a cabeça de um inimigo, que necessidade há de organizar a classe? Se tem sentido aterrorizar os altos funcionários com o ruído das explosões, que necessidade há de um partido? Para que fazer passeatas, agitação de massas, eleições, se é tão fácil alvejar um ministro desde a galeria do parlamento?

Para nós o terror individual é inadmissível precisamente porque apequena o papel das massas em sua própria consciência, as faz aceitar sua impotência e volta seus olhos e esperanças para o grande vingador e libertador que algum dia virá cumprir sua missão.

Os profetas anarquistas da “propaganda pelos fatos” podem falar até pelos cotovelos sobre a influência estimulante que exercem os atos terroristas sobre as massas. As considerações teóricas e a experiência política demonstram o contrário. Quanto mais “efetivos” forem os atos terroristas, quanto maior for seu impacto, quanto mais se concentra a atenção das massas sobre eles, mais se reduz o interesse das massas por eles , mais se reduz o interesse das massas em organizar-se e educar-se.

Porém a fumaça da explosão se dissipa, o pânico desaparece, um sucessor ocupa o lugar do ministro assassinado, a vida volta à sua velha rotina, a roda da exploração capitalista gira como antes: só a repressão policial se torna mais selvagem e aberta. O resultado é que o lugar das esperanças renovadas e da excitação artificialmente provocada vem a ser ocupado pela desilusão e a apatia.

Os esforços da reação para por fim às greves e ao movimento operário de massas tem culminado, geralmente, sempre e em todas as partes, no fracasso. A sociedade capitalista necessita um proletariado ativo, móvel e inteligente; não pode, portanto, ter o proletariado com os pés e mão atados por muito tempo. Por outro lado, a “propaganda pelos fatos” dos anarquistas tem demonstrado cada vez mais que o estado é muito mais rico em meios de destruição física e repressão mecânica que todos os grupos terroristas juntos.

Se assim é, o que acontece com a revolução? Fica negada ou impossibilitada? De maneira nenhuma. A revolução não é uma simples soma de meios mecânicos. A revolução somente pode surgir da intensificação da luta de classes, sua vitória e garantida somente pela função social do proletariado. A greve política de massas, a insurreição armada, a conquista do poder estatal; tudo está determinado pelo grau de desenvolvimento da produção, a alienação das forças de classe, o peso social do proletariado e, por último, pela composição social do exército, posto que são as forças armadas o fator que decide o problema do poder no momento da revolução.

A social-democracia é bastante realista para não desconhecer a revolução que está surgindo das circunstâncias históricas atuais; pelo contrário, vai ao encontro da revolução com os olhos bem abertos. Porém, diferentemente dos anarquistas e em luta aberta com eles, a social-democracia rechaça todos os métodos e meios cujo objetivo seja forçar o desenvolvimento da sociedade artificialmente e substituir a insuficiente força revolucionária do proletariado com preparações químicas.

Antes de elevar-se à categoria de método para a luta política, o terrorismo faz sua aparição sob a forma de ato individual de vingança. Assim foi na Rússia, pátria do terrorismo. O açoitamento dos presos políticos levaram Vera Zasulich a expressar o sentimento de indignação geral com um atentado contra o general Trepov. Seu exemplo repercutiu entre a intelectualidade revolucionária, desprovidas do apoio das massas. O que começou como um ato de vingança perpetrado em forma inconsciente foi elevado a todo um sistema em 1879-1881. As ondas de atentados anarquistas na Europa Ocidental e América do Norte sempre se produzem depois de alguma atrocidade cometida pelo governo: fuzilamentos de grevistas ou execuções de opositores políticos. A fonte psicológica mais importante do terrorismo é sempre o sentimento de vingança que busca uma válvula de escape.

Não há necessidade de insistir que a social-democracia nada tem a ver com esses moralistas a soldo, que, em resposta a qualquer ato terrorista, falam somente do “valor absoluto” da vida humana. São os mesmos que em outras ocasiões, em nome de outros valores absolutos, por exemplo, a honra nacional ou o prestígio do monarca estão dispostos a levar milhões de pessoas ao inferno da guerra. Hoje, seu herói nacional é o ministro que dá a ordem de abrir fogo contra os operários desarmados, em nome do sagrado direito à propriedade privada; amanhã, quando a mão desesperada do operário desempregado cerre o punho ou se apodere de uma arma, falarão sandices sobre o inadmissível que é a violência em qualquer de suas formas.

Digam o que digam os eunucos e fariseus morais, o sentimento de vingança tem seus direitos. Fala muito bem a favor da moral da classe operária a não contemplação indiferente do que ocorre neste, o melhor dos mundos possíveis. Não extinguir o insatisfeito desejo proletário de vingança, mas, pelo contrário, avivá-lo uma e outra vez, aprofundá-lo, dirigi-lo contra a verdadeira causa da injustiça e a baixeza humanas: essa é a tarefa da social-democracia.

Nos opomos aos atentados terroristas porque a vingança individual não nos satisfaz. A conta que nos deve pagar o sistema capitalista é demasiado elevada para ser apresentada a um funcionário chamado ministro. Aprender a considerar os crimes contra a humanidade, todas as humilhações a que se veem submetidos o corpo e o espírito humanos como excrescências e expressões do sistema social imperante, para empenhar todas nossas energias em uma luta coletiva contra este sistema: essa é a causa na qual o ardente desejo de vingança pode encontrar sua maior satisfação moral.

= = =
[0] Via MIA.
= = =