segunda-feira, 18 de junho de 2018

Cotidiano e arte em Lukács


por Celso Frederico

Em Janeiro de 1968 Lucien Goldmann organizou, em Royaumont, um encontro para se discutir estética. Na mesa, ao seu lado, estavam Agnes Heller, discípula de Lukács, e Theodor W. Adorno. A expectativa era grande, já que a animosidade teórica entre Lukács, Adorno e Goldmann vinha de longe.

Lukács considerava a Escola de Frankfurt, da qual Adorno era o principal representante, como “um hotel de luxo à beira do abismo”, isto é, como uma escola elitista e distante da luta de classes. Quanto a Goldmann, também não havia diálogo possível: a insistência desse autor em valorizar as obras juvenis de Lukács (inclusive as não-marxistas), em detrimento de sua produção madura, havia envenenado definitivamente a relação entre os dois. Numa irritada carta de 10 de outubro de 1959, Lukács formalizou a ruptura: “Se eu tivesse morrido por volta de 1924 e minha alma perene olhasse sua atividade literária do além, ela ficaria plena de um verdadeiro reconhecimento de você se ocupar tão intensamente de minhas obras de juventude. Mas como eu não estou morto e como durante trinta e quatro anos eu criei o que se pode chamar apropriadamente a obra de minha vida e como, para você, essa obra simplesmente não existe, é difícil para mim, enquanto ser vivo, cujos interesses estão claramente dirigidos para a própria atividade presente, tomar posição sobre suas considerações”[1].

Adorno, por sua vez, nunca foi de fazer concessões. Suas diferenças com as posições políticas e estéticas de Lukács são conhecidas. Num ensaio de 1958, Reconciliação forçada, contrapôs a sua “dialética negativa” à “positividade” do realismo literário consagrado por Lukács[2]. A defesa da arte como “negatividade”, feita por Adorno, não admitia a depreciação lukacsiana dos experimentos vanguardistas e, menos ainda, um dos pilares da teoria lukacsiana do realismo, a catarse. Esta, a seus olhos, significava uma perigosa repressão aos instintos humanos, uma forma ideológica de neutralização e incorporação da subjetividade humana à totalidade alienada (e não, como queria Lukács, uma etapa harmônica das relações entre subjetividade e objetividade, indivíduo e gênero). As divergências entre Adorno e Goldmann também não eram menores: o repúdio ao “estruturalismo-genético”, método defendido por Adorno, bem como sua interpretação da obra literária como expressão da consciência das classes sociais, causavam um incontido mal-estar no filósofo alemão[3].

Goldmann, por sua vez, fazia questão de ignorar toda a vasta obra lukacsiana posterior à História e consciência de classe [1923] e criticava duramente Adorno por considerar, agora fazendo coro com Lukács, sua concepção teórica elitista e apolítica.

Agnes Heller, comentando o colóquio, narra o seguinte episódio: “... nos vimos de imediato envolvidos em apaixonadas discussões sobre três pontos de vista diferentes e aparentemente inconciliáveis. Então, ocorreu algo totalmente inesperado. Um jovem ocupou a tribuna e falou com irritação e enfado: Lukács, Adorno e Goldmann são os três a mesma coisa. São membros da Sagrada Família. Ao apoiar a autonomia da obra de arte estão buscando a salvação em uma imagem celestial do mundo. Os três estão ultrapassados, são burgueses e desprezíveis. Em seu lugar necessitamos de Arrabal. Um coro de gente jovem fez eco de suas palavras. 'Arrabal, Arrabal', gritavam. Foi então que nasceu a pós-modernidade. Em um minuto mudou toda a cena. Adorno, Goldmann e eu, que representava Lukács, terminamos no mesmo lado da proverbial barricada. Em vez de criticar, começamos a apoiar-nos uns aos outros. Os elementos comuns de nossos critérios repentinamente se tornaram mais importantes que os que nos separavam. A defesa da autonomia da obra de arte implicava a defesa de uma possível unidade de subjetividade e objetividade: a defesa de um juízo estético determinado que não era simplesmente uma questão de gosto pessoal. Implicava assumir que devem existir certas pautas para julgar a qualidade e a importância das obras de arte, que a distinção entre 'superior' e 'inferior' é válida e que é da máxima importância, inclusive assunto de vida ou morte, apoiar umas obras de arte e rechaçar outras”[4].

Esse incidente acadêmico é rico de ensinamentos. Apesar das gritantes diferenças, os nossos três autores podem, ainda que protestem contra isso, ser enquadrados sob o rótulo de “jovens-hegelianos”, empregado originalmente para designar o movimento de intelectuais alemães que no início dos anos 40 do século passado debatia-se com o legado intelectual de Hegel, mas sem conseguir desvencilhar-se totalmente do edifício conceitual hegeliano. Dos “jovens-hegelianos” alemães, o único que se afastou definitivamente de Hegel foi Feuerbach, que rompeu não só com o sistema mas com o método hegeliano, vale dizer, a dialética[5].

Já em seu tempo, Hegel procurou inserir a arte como parte orgânica de seu sistema filosófico, mantendo-a subordinada a ele. E, para isso, combateu as tendências românticas que afirmavam que o belo, um produto da imaginação anárquica e indisciplinada, da intuição e dos sentidos, não deveria aproximar-se da aridez do pensamento abstrato. Contra os inimigos da razão, Hegel argumentava que a arte e a filosofia buscam, cada uma a seu modo, a mesma coisa: a verdade.

No sistema hegeliano a arte desponta como o primeiro momento de afirmação do Espírito Absoluto, a ser superado, em seguida, pela religião e pela filosofia. A arte é definida por Hegel como a manifestação sensível do Espírito. O aparecer sensível do Espírito não se confunde com uma aparência qualquer. A aparência é sempre a aparência necessária de um conteúdo verdadeiro, de uma essência que precisa aparecer, mas que não se identifica diretamente com a aparência. A arte, assim, é uma representação que nos conduz a uma realidade diferente de nosso cotidiano, pois nesta a aparência cumpre a sua função de ocultar a essência. Diferentemente da experiência cotidiana, a arte nos fornece uma realidade autônoma mais alta e verídica.

Lukács, Adorno e Goldmann gravitam em torno dos termos postos por Hegel. Nesse sentido, eles são “jovens-hegelianos”. A arte, para eles, é uma atividade que preserva a sua autonomia (“uma imagem celestial do mundo”, como gritava aquele jovem em Royaumont) e, por isso, é vista sempre como parte integrante de um sistema de pensamento que estabelece critérios para o julgamento estético, permitindo, desse modo, separar a grande arte de suas contrafacções. Aqueles discípulos de Arrabal, ao pretenderem dissolver a arte na vida (transformando-a num indiferenciado happening), anulavam a sua autonomia, indo, com isso, além do mestre, que, afinal, escrevera peças destinadas especificamente para o teatro. Essa recepção radicalizada do trabalho artístico de Arrabal (que frequentemente atinge também Artaud) insere-se no espírito irreverente da contracultura. Investindo contra o cânon, coloca-se em seu lugar o relativismo exacerbado um verdadeiro vale-tudo que inviabiliza qualquer julgamento, tido como mera pretensão “autoritária” da razão. Nesse sentido, os movimentos artísticos da contracultura fizeram nascer o estilo de pensamento conhecido posteriormente como “pós-moderno”. O “assalto à razão”, presente no pós-modernismo, choca-se frontalmente contra essa forma especial de racionalismo que é o pensamento dialético, reivindicado, de diferentes e “inconciliáveis” maneiras, por Lukács, Adorno e Goldmann.

Explicitar as diferenças que separam esses três autores é, contudo, uma tarefa trabalhosa que nos afastaria de nosso objetivo. Basta lembrar aqui, resumidamente, a recusa dos três autores às tentativas de minar a autonomia da arte. Para Lukács, a especificidade da arte consiste no reflexo antropomorfizador da realidade. Para Adorno, é vital a defesa da forma do objeto artístico, o que exclui evidentemente qualquer pretensão de diluir a autonomia da arte. Para Goldmann, o que interessa basicamente é a descoberta da homologia das estruturas, a correlação entre a estrutura interna da obra e a estrutura da sociedade.

Mas voltemos a Lukács para tentar entender melhor a questão dos critérios para se julgar a obra de arte, uma questão “de vida ou morte” que atravessa toda a sua obra. Ele sempre defendeu apaixonadamente o método realista enquanto critério para o crítico julgar a obra de arte e também o caminho para o artista revelar a verdade em sua criação. De acordo com essa perspectiva, a arte afirma-se em sua irredutível especificidade, como uma intensificação do drama humano que na vida cotidiana se apresenta de forma descontínua, rarefeita.

Essa defesa do método realista de figuração pressupõe, por sua vez, uma função por ele consignada à atividade artística. Na visão ontológica de Lukács, a arte é uma atividade que parte da vida cotidiana para, em seguida, a ela retornar, produzindo nesse movimento reiterativo uma elevação na consciência sensível dos homens.

Na sequência, veremos a teoria lukacsiana do cotidiano e a função da arte em seu interior.

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A estética de Lukács tem como uma de suas peculiaridades mais originais o fato de buscar um enraizamento na vida cotidiana.

Para determinar o lugar do comportamento estético no conjunto das atividades humanas, Lukács parte das necessidades postas pelo dia-a-dia. Materialista que era, estudava a arte sempre comparada e contrastada com a atividade científica partindo do cotidiano, como um de seus momentos privilegiados, ao contrário de Hegel, para quem a arte surge sempre como manifestação sensível da Ideia.

O comportamento cotidiano do homem, assim, é o começo e o fim de toda ação humana. Lukács retoma a imagem do rio de Heráclito, imagem cara aos dialetas: o cotidiano é visto como um rio em seu permanente fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se espalha e retorna ao seu leito: “dele (do cotidiano) se depreendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte; diferenciam-se, constituem-se de acordo com suas finalidades específicas, alcançam sua forma pura nessa especificidade - que nasce das necessidades da vida social para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar de novo na corrente da vida cotidiana”[6].

A arte e a ciência são formas desenvolvidas de reflexo, de recepção, da realidade objetiva na consciência dos homens. Elas se constituem lentamente durante a evolução histórica e se diferenciam incessantemente. Lukács privilegia a ciência e a arte como formas puras de reflexo, mas entre elas, num fecundo ponto médio, localiza o reflexo próprio da vida cotidiana (a consciência do homem comum). A vida cotidiana é o ponto de partida e o ponto de chegada: é dela que provém a necessidade de o homem objetivar-se, ir além de seus limites habituais; e é para a vida cotidiana que retornam os produtos de suas objetivações. Com isso, a vida social dos homens é permanentemente enriquecida com as aquisições advindas das conquistas da arte e da ciência.

O conjunto formado pela arte e sua recepção traduz a inspiração ontológica de Lukács. A simples “existência” da obra não encerra a discussão. O que mais interessa é a função exercida pela arte na vida cotidiana dos homens. A arte, portanto, não existe como um dado objetivo numa relação de indiferença com os seus receptores.

Dessa forma, a Estética inicia-se com uma reflexão sobre o cotidiano. E, já nesse início, pode-se perceber uma analogia superficial e uma diferença substantiva entre Lukács e Heidegger. O autor de O ser e o tempo considera a cotidianidade como o reino do inautêntico (o não-ser-de-si-mesmo), da queda, em que o homem (o das-man) está imerso na parolagem, na curiosidade ávida e na ambiguidade. O reino da autenticidade, ao contrário, pressupõe a superação aristocrática da cotidianidade: o homem (o der-man), rompendo com a inautenticidade da vida cotidiana, torna-se enfim capaz de compreender sua finitude e permanecer à espera do acontecimento, da revelação do Ser, tendo a morte como horizonte... [7].

Lukács também estabelece uma divisão entre o senso comum dos homens mergulhados na cotidianidade e as formas superiores de consciência que vão além desses limites. Mas, como materialista, afirma que as objetivações do ser social que elevam o homem acima da cotidianidade nascem para responder às necessidades vitais postas pela vida e, por isso mesmo, retornam ao cotidiano para enriquecê-lo. A vida cotidiana (retomando a imagem do rio) é a fonte e a desembocadura de todas as atividades espirituais do homem.

Por isso, a Estética inicia-se com uma reflexão sobre o cotidiano, depois desenvolvida por diversos autores, que a transformaram em tema básico de pesquisas históricas e sociológicas[8]. Esse ponto de partida, como veremos, determina o curso de toda a reflexão lukacsiana.

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A arte e a ciência são consideradas por Lukács como formas puras de reflexo. Entre ambas situa-se aquela forma própria de reflexo que constitui a vida cotidiana. Essas três formas de reflexo referem-se sempre à mesma realidade e operam com as mesmas categorias. Lukács, aqui, reitera a sua visão monista e ontológica da realidade, ao entender as categorias lógicas como uma manifestação do ser social e não como uma construção a priori do pensamento.

Enquanto a arte e a ciência se desenvolvem intensamente e, por isso, atingem uma visão depurada da realidade, o pensamento cotidiano debate-se com os seus limites. Evidentemente, existe nele já um conhecimento (= reflexo) do mundo exterior. Basta pensar aqui no trabalho e na linguagem, formas básicas de objetivação da vida cotidiana. O trabalho aproxima-se da arte (artesanato), mas seu compromisso com a subsistência tolhe a possibilidade de desenvolvimento. Ele também aproxima-se da ciência, mas sua natureza fluida e mutável impede sua identificação com o reflexo universalizante e abstrato, próprio da atividade científica.

O reflexo próprio da vida cotidiana pressupõe um materialismo espontâneo: os homens intuitivamente percebem que o mundo exterior existe de modo independente de sua consciência. Mas o conhecimento das coisas fica bloqueado por uma outra característica da cotidianidade: a vinculação imediata entre teoria e prática, que conduz a uma imediatez do comportamento restrito à aparência manipulável das coisas, e desconhecedor da essência constitutiva dos fenômenos.

O apego à aparência fenomênica faz com que o homem, no cotidiano, se relacione com um mundo heterogêneo e descontínuo. Todas as atenções são mobilizadas nesse relacionamento, mas a fragmentação do mundo aparencial impede o homem de relacionar os fenômenos entre si. Lukács designa o homem imerso na cotidianidade de o homem inteiro, para contrapô-lo ao homem inteiramente, aquele concentrado na arte e na ciência.

Com essa terminologia um tanto insólita, Lukács separa duas formas distintas de comportamento. A arte, ao contrário da vida cotidiana, oferece-nos um mundo homogêneo, depurado das “impurezas” e acidentes da heterogeneidade próprias do cotidiano. Na fruição estética, o indivíduo depara-se com a figuração homogeneizadora, mobilizando toda a sua atenção para adentrar-se nesse mundo miniatural, despojado dos acidentes e variáveis que geram as descontinuidades do cotidiano. Essa concentração da atenção, essa mobilização das forças espirituais, produz uma elevação do cotidiano. Nesse momento, segundo Lukács, o indivíduo supera a sua singularidade e é posto em contato com o gênero humano. O exemplo mais claro é o fenômeno da catarse, que permite restabelecer o nexo do indivíduo com o gênero. Esse nexo fica esmaecido na cotidianidade onde os homens encontram-se fragmentados e entregues à resolução dos problemas pessoais de sua vida privada.

A elevação não é uma fuga, um devaneio inconsequente. Após a fruição estética, o homem mobilizado pela arte volta a defrontar-se com a fragmentação do cotidiano. Mas agora, acredita Lukács, esse homem enriquecido pela experiência que o colocou em contato com o gênero, passará a ver o mundo com outros olhos.

A arte, portanto, educa o homem fazendo-o transcender à fragmentação produzida pelo fetichismo da sociedade mercantil. Nascida para refletir sobre a vida cotidiana dos homens, a arte produz uma “elevação” que a separa inicialmente do cotidiano para, no final, fazer a operação de retorno. Esse processo circular produz um contínuo enriquecimento espiritual da humanidade.

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Mas nem sempre a atividade artística produz obras de arte capazes de exercer esse papel desejado por Lukács. As novelas, os filmes policiais, os comics etc. são infinitamente mais numerosos que as verdadeiras obras de arte tornando-se, sempre, um problema difícil para os críticos acostumados a trabalhar com realizações já consagradas e tendo à disposição teorias para ajudá-los na tarefa da interpretação.

Lukács inclui essa produção artística menor no que ele chama de “ciclo problemático do agradável”. Tanto a obra de arte quanto os produtos menores voltados para o mero entretenimento são emanações da vida cotidiana, mas não devem ser confundidos. Sem a esfera do agradável não existiria a arte. Os críticos literários gostam de lembrar a propósito que uma grande obra tem atrás de si uma infinidade de obras menores formando um caldo de cultura que lhe serve de referência. Mas, diz Lukács, a arte não nasce do agradável e, principalmente, as duas esferas desempenham papéis diferentes em sua relação com a vida cotidiana.

A arte preocupa-se em figurar, com os seus meios, a realidade que se apresenta sob forma caótica na vida cotidiana. Para isso, ela nos apresenta uma figuração sensível imediata da realidade, através da criação de um meio homogêneo próprio da atividade artística. A criação desse meio homogêneo, na arte, significa uma ruptura com a vida cotidiana, marcada pela heterogeneidade, na qual o homem só participa da superfície dos fenômenos.

Essa re-apresentação estruturada surge como uma segunda imediaticidade. O caráter fragmentado e caótico da realidade reaparece transfigurado como uma nova imediaticidade, uma unidade sensível de essência e aparência, conformando o “mundo próprio” da arte, um mundo que deixou de ser um indiferente em-si para tornar-se um para-nós: um mundo feito em conformidade com o homem.

A arte, assim, possibilita a passagem da heterogeneidade do cotidiano para a homogeneidade, momento em que sobe para o primeiro plano o ser genérico do homem. Isso se torna possível graças ao trabalho do artista que concentrou todas as determinações da realidade em uma totalidade intensiva, em um mundo próprio. Neste patamar mais elevado, depurado de todos os elementos heterogêneos perturbadores, o receptor pode concentrar toda a sua atenção num único objeto. Com isso, ele suspende a heterogeneidade do cotidiano e sua própria permanência na condição de um ser meramente singular.

Daí o caráter evocativo da obra de arte, sua ação sobre o núcleo social da personalidade humana. Essa força evocativa deve-se ao fato de que na arte o passado é feito presente. Essa presentificação, contudo, não é a vida anterior de cada indivíduo, mas a sua vida enquanto pertencente à humanidade. O que é posto em relevo pela arte é o caráter social da personalidade humana. O indivíduo, perante a figuração estética, pode se generalizar e, assim, confrontar a sua existência com a epopeia do gênero humano, retratado pela arte, num momento determinado de sua evolução. Ocorre então uma suspensão da cotidianidade, uma elevação da subjetividade do plano meramente singular para o campo mediador da particularidade (a síntese do singular e do universal).

As realizações pseudo-estéticas que integram o “ciclo problemático do agradável”, ao contrário, fixam o indivíduo em sua imediatez cotidiana. Elas apenas cumprem a função de entretenimento, dirigindo-se à esfera privada dos indivíduos. Diferentemente das realizações verdadeiramente artísticas, elas não generalizam, não colocam o indivíduo em contato com o gênero. Essa permanência na mera singularidade impede a “elevação”, o contato enriquecedor com o gênero e, por isso, o caráter social da personalidade humana não se desenvolve.

O papel atribuído à arte por Lukács torna claro, agora, por que a defesa da autonomia da arte é uma “questão de vida ou morte”. O movimento, que é próprio da arte, de ruptura e retorno ao cotidiano protesta contra as tentativas de diluição na vida cotidiana, como pretendia aquele jovem entusiasta de Arrabal, que, por um breve instante, conseguiu a proeza de reconciliar as estéticas de Lukács, Adorno e Goldmann.

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Notas
[1] Cf. N. Tertulian, G. Lukács, Etapes de sa pensée esthétique, Paris, Ed. Le Sycomore, 1980, p. 286.
[2] Cf. Theodor Adorno, “Reconciliation under Duress”, in Frederic Jameson (org.), Aesthetics and politics, Londres, Verso Editions, 1980.
[3] A áspera polêmica travada entre Adorno e Goldmann está reproduzida em “Deuxième colloque internacional sur la sociologie de la littérature”, in Lucien Goldmann et la sociologie de la littérature. Hommage à Lucien Goldmann, Bruxelas, Editions de l'Université de Bruxelles, 1975.
[4] Agnes Heller, “Lukács y la Sagrada Família”, in Fehér, Heller, Radnoti, Tamas & Vadja, Dialéctica de las formas. El pensamiento estético de la Escuela de Budapeste, Barcelona, Ediciones Península, 1987, p. 177.
[5] Cf. Celso Frederico, “A dissolução do hegelianismo, in O jovem Marx. 1843-1844: origens da ontologia do ser social, São Paulo, Ed. Cortez, 1995.
[6] G. Lukács, Estética, v. I, Barcelona, Ed. Grijalbo,1974, p. 11-12.
[7] Sobre Heidegger, consulte-se o belo livro de Benedito Nunes, Passagem para o poético. Filosofia e poesia em Heidegger. São Paulo, Ática, 1986. 
[8] Ver a propósito os diversos trabalhos de Agnes Heller: entre eles, Sociologia de la vida cotidiana, Barcelona, Ed. Península, 1987. Um outro autor marxista, Henri Lefebvre, também desenvolveu, a seu modo, uma teoria sobre a vida cotidiana. Cf. Critique de la vie cotidienne, Paris, L'Arche Éditeur, 1958 e La vie cotidienne dans le monde moderne, Paris, Ed. Gallimard, 1968. Leitura útil sobre o tema é o livro de José Paulo Netto & Maria do Carmo Falcão, Cotidiano: conhecimento e crítica, São Paulo, Ed. Cortez, 1987. Convém lembrar, para evitar equívocos, que a
“história do cotidiano” ou “das mentalidades”, desenvolveu-se num registro teórico próprio, distante das ideias de Lukács.
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FREDERICO, C. “Cotidiano e arte em Lukács”. In: Estudos Avançados, vol. 14, n. 40, 2000, p. 299-308.
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domingo, 17 de junho de 2018

O irracionalismo como ideologia do capital: análise de suas expressões ideológicas fascista e pós-modernista

Resumo: Nas discussões sobre as diversas manifestações do pós-modernismo, existe uma formulação crítica que merece atenção: a de que existiria a aproximação entre o pensamento pós-modernista e o fascista. Esta pesquisa pretende, então, avaliar o alcance dessa crítica, apresentando a tese de que realmente existe uma conexão entre fascismo e pós-modernismo, se consideradas enquanto expressões ideológicas. O objetivo implicado é o de traçar o processo de constituição e permanência do irracionalismo, algo promovido pela predominância das formas de sociabilidade norteadas pela reprodução do capital. Estas forjam um padrão ideológico de viés irracionalista, que recusa a avaliação crítica das experiências anteriores ao favorecerem uma conduta apologética sobre si.
Palavras-chave: irracionalismo; pós-modernismo; fascismo; ideologia.

Abstract: In the discussions about various manifestations of postmodernism, there is a critical formulation that deserves attention: there would be a rapprochement between postmodernist and fascist thinkings. This research intends to evaluate the scope of this criticism, suggesting the hypothesis that really there is a connection between fascism and postmodernism, if considered as ideological expressions. This connection would be due to the transformation of the cultural broth promoted by the form of sociability guided by the reproduction of capital, forging an ideological pattern of irrationalist bias. Given the hypothesis presented, the main objective of the research is to trace the process of constitution and permanence of irrationalism.

Keywords: irrationalism; postmodernism; fascism; ideology.
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Arquivo em PDF
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BELLI, Rodrigo Bischoff. O irracionalismo como ideologia do capital: análise de suas expressões ideológicas fascista e pós-modernista. Orientadora: Angélica Lovatto. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marília, 187 f., 2017.
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quinta-feira, 7 de junho de 2018

O marxismo é herdeiro da filosofia: reflexões sobre Karl Korsch


por Fábio Alves dos Santos Dias
ensaio em PDF

I. Marxismo, reformismo e filosofia

Independentemente das nossas perspectivas acerca do que seria o verdadeiro método em Marx, qualquer estudo que tenha como meta compreender a história do marxismo notará como o seu desenvolvimento é repleto de caminhos e descaminhos (ANDERSON, 2004). Antes de todos aqueles que pretenderam segui-lo, Marx procurou fazer um acerto de contas com a filosofia hegeliana, impulsionado pela árida realidade de sua época – como podemos notar quando lançamos o olhar sobre os problemas materiais que enfrentou como redator da Gazeta Renana. Depois, na segunda geração de marxistas – formada em tempos de relativa estabilidade econômica e refluxo do movimento revolucionário –, há os teóricos da Segunda Internacional, que, de acordo com inúmeros críticos de gerações posteriores (como Lênin, Luxemburgo, Korsch e Lukács, entre outros), transformaram o marxismo no mais puro economicismo vulgar cujo produto final foi a recusa de seu conteúdo revolucionário e a adoção de uma atitude teórico-prática reformista. Em seguida, com a ascensão do imperialismo, da luta de classes e da Primeira Guerra Mundial, surgiram jovens intelectuais e líderes de instituições partidárias, tais como Lênin e Luxemburgo, que escreveram obras cujo conteúdo colocava a necessidade de vincular marxismo e práxis a partir dos textos políticos e econômicos de Marx e Engels, em meio a um contexto social de profunda ascensão da luta de classes na Europa.

Com a conquista do poder pelos bolcheviques em 1917, na Rússia, surgiu nos anos 1920 uma nova tendência no interior do pensamento marxista hoje denominada “marxismo ocidental”. Trata-se de uma corrente que se iniciou com Korsch. Este autor, que foi levado ao marxismo ao longo da Primeira Guerra Mundial, procurou, assim como Lênin e Luxemburgo, ler a tradição consolidada por Marx e Engels a partir da relação entre teoria e práxis. Korsch, porém, apoiando-se sobre sua erudição acadêmica, foi teoricamente além dos dois grandes líderes revolucionários do início do século XX, guinando o marxismo em direção à filosofia, redescobrindo o pensamento de Marx e Engels como herdeiro do idealismo alemão.

No início da década de 1920, o marxismo começou a tomar novos rumos. Em 1923 foi publicado originalmente no Archiv für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung[1] (Arquivo de História do Socialismo e do Movimento dos Trabalhadores) o ensaio de Karl Korsch (2008) intitulado Marxismo e filosofia. Como bem assinala Ricardo Musse na revista Margem Esquerda, este ensaio de Korsch inegavelmente significou uma novidade frente a tudo o que se fazia até então no interior do pensamento propagado tanto pelo movimento operário quanto pela filosofia. Isso porque retomou algo deveras esquecido do legado deixado por Marx e Engels: o debate em torno da relação entre marxismo e filosofia (cf. MUSSE, 2011, pp. 137-8).

Para Korsch, tanto os teóricos marxistas provenientes da Segunda Internacional como os filósofos profissionais oriundos do campo acadêmico estavam convictos da existência de um pleno divórcio entre o pensamento de Marx e a filosofia. Como indicam os textos de intelectuais daquele período, ora tal dissídio era interpretado como uma prova da força do marxismo – como é o caso do argumento dos teóricos do movimento proletário da época –, ora era percebido como uma fraqueza que comprovaria a irrelevância do marxismo para as cadeiras acadêmicas dignas de se denominarem filosofia, como é o caso dos filósofos acadêmicos da segunda metade do século XIX. Nas palavras do autor:

Persuadindo-se mutuamente de que o marxismo não possuía nenhum conteúdo filosófico próprio, os professores burgueses de filosofia acreditavam estar dizendo algo importante contra ele; de seu lado, os marxistas ortodoxos se persuadiam mutuamente de que o seu marxismo não tinha, em sua essência, nenhuma relação com a filosofia e, com isto, acreditavam estar dizendo algo importante a seu favor. (KORSCH, 2008, pp. 24-5)

Na visão de Korsch, ressaltar tal incompreensão da relação entre marxismo e filosofia propagada tanto pelos marxistas da Segunda Internacional quanto pelos denominados “professores burgueses de filosofia” seria de suma importância. Isto porque a partir da investigação acerca desta relação joga-se luz sobre outra questão fundamental, colocada na ordem do dia no interior do movimento revolucionário europeu contemporâneo ao autor marxista, principalmente após a Revolução Russa de 1917: a relação entre teoria e práxis política revolucionária.

Não é por menos que seu ensaio inicia-se com a seguinte frase: “a afirmação de que as relações entre o marxismo e a filosofia levantam um problema teórico e prático da mais alta importância não encontrou, até muito recentemente, mais do que uma limitada compreensão entre os intelectuais, burgueses ou marxistas” (KORSCH, 2008, p. 23). Logo em seguida, recorria à importante passagem do final do pequeno livro de Engels (Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã) no qual o proletariado é apresentado como o herdeiro da filosofia clássica alemã. Ao realizar isso, Korsch nada mais fez do que demonstrar que todos os eminentes filósofos da segunda metade do século XIX e marxistas do final deste mesmo século não puderam compreender a efetiva relação entre a obra fundada por Marx e a filosofia, porque deixaram de lado uma mediação fundamental para o entendimento da relação entre teoria e práxis revolucionária: a filosofia de Hegel[2].

Hegel, relembrava Korsch, desenvolveu sua produção filosófica num período da história do ocidente no qual a burguesia se constituiu como classe revolucionária e lutou pela derrubada do ancien régime. É neste aspecto que se encontra a grandeza do pensamento deste filósofo alemão que, como nenhum outro até então, conseguiu estabelecer conexões entre o movimento das ideias e o movimento revolucionário burguês, demonstrando que a revolução presente no pensamento (e note-se que se trata de uma revolução no pensamento levada a cabo pelo próprio conceito e não pela práxis humana sensível) “não se opera na quietude de um gabinete de estudo, afastado do campo árido das lutas concretas”, mas sim dentro da própria realidade concreta, pois a própria teoria, segundo Hegel, “é tomada como elemento real do processo social da revolução real” (KORSCH, 2008, p. 29).

É neste sentido que Korsch afirma ser a filosofia do idealismo alemão expressão teórica do movimento revolucionário da burguesia. Segundo o autor, a partir de meados do século XIX (época na qual a burguesia deixou de ser classe revolucionária para tornar-se a classe dominante) os filósofos burgueses abandonaram o papel de protagonistas intelectuais das lutas sociais, como fora Hegel, e transformaram-se em perpetuadores intelectuais da ordem existente, obscurecendo a relação entre filosofia e revolução.

Assim, Korsch evidenciava seu ponto de vista teórico sobre a condição da filosofia a partir da segunda metade do século XIX. Para o autor, a relação da filosofia com a práxis é tão íntima que a primeira é sempre expressão da segunda. Somente com isso em mente compreende-se, a partir da perspectiva do autor, a relação entre a incapacidade de os filósofos pensarem a filosofia no interior do complexo de transformação da vida social e o abandono do posto historicamente constituído de classe revolucionária pela burguesia devido à sua transformação em classe dominante. É nesse sentido que se pode compreender a seguinte passagem:

De fato, na segunda metade do século XIX, os intelectuais burgueses, ao mesmo tempo em que esqueciam a filosofia de Hegel, perderam completamente a visão “dialética” da relação entre a filosofia e o real, entre a teoria e a práxis, que fora, ao tempo de Hegel, o princípio vivificador do conjunto da filosofia e da ciência. (KORSCH, 2008, p. 25)

Diante da constituição da burguesia como classe dominante e reacionária, a filosofia, compreendida como expressão do movimento revolucionário desta classe, transformou-se em prostração diante da ordem existente e, com isso, abandonou toda sua antiga potencialidade crítica, que carregava dentro de si o desejo pela práxis. Não é por menos que os filósofos burgueses não conseguiram, ao longo do século XIX, perceber relação alguma entre a teoria de Marx e Engels e a filosofia: um pensamento tão alicerçado na práxis política revolucionária jamais poderia se relacionar com um saber que, diante das contingências históricas da classe que representava (burguesia), virara as costas para a possibilidade da transformação radical da realidade.

Neste mesmo sentido, ou seja, com base no abandono da práxis política revolucionária, Korsch ampliou sua crítica do campo intelectual burguês para o campo intelectual marxista. Ressaltou a equivalência do pensamento da burguesia que deixara de se constituir como classe revolucionária e o marxismo propagandeado no final do século XIX pelos intelectuais da Segunda Internacional.

Recorrendo ao livro de Lênin (2010), O estado e a revolução, Korsch traçava um paralelo entre a preocupação do revolucionário russo com a indiferença que adquirira para os pensadores marxistas a questão prática da destruição da máquina de estado burguês e o divórcio declarado por estes mesmos pensadores entre marxismo e filosofia. Em ambos os casos, tal indiferença e tal divórcio não poderiam ser explicados pela ótica do voluntarismo, pois não se tratava de uma mera opção por deixar de lado estas questões candentes ao marxismo de Marx e Engels, mas, sim, de um desvio político da diretriz revolucionária da Segunda Internacional que está associada ao viés reformista que adquirira a teoria marxista nas mãos desta direção do movimento operário[3]. Nas palavras de Korsch:

devemos nos perguntar se a relação mais geral que, segundo o arguto crítico Lênin, permite explicar a indiferença dos marxistas da Segunda Internacional frente à questão do estado não intervém igualmente no problema de que nos ocupamos – ou seja, se a indiferença daqueles mesmos marxistas em face da questão filosófica tem a ver com o fato de as questões gerais da revolução em geral os terem preocupado tão pouco (KORSCH, 2008, p. 35).

Tal concepção do abandono da práxis política revolucionária e sua relação com a indiferença dos teóricos marxistas da Segunda Internacional para com o estado e a filosofia significavam, conforme aponta Ricardo Musse, uma novidade presente no ensaio de Korsch. Sua teoria superava a posição inquisitória, voltada para a condenação moral da inépcia da Segunda Internacional frente ao marxismo enquanto doutrina que expressava o movimento revolucionário dos trabalhadores; concomitantemente, também trazia à tona uma explicação ao mesmo tempo lógica e histórica que nos abre importantes possibilidades para compreender o advento da interpretação reformista do legado de Marx e Engels.

Tomando como ponto de partida “a sangrenta repressão ao proletariado parisiense em junho de 1848, seguida pela liquidação de todas as organizações e tendências emancipadoras da classe operária” (KORSCH, 2008, p. 37), nosso autor procurava demonstrar que o reformismo dos teóricos da Segunda Internacional não era apenas o fruto de uma escolha feita deliberadamente ou de uma má leitura de Marx e Engels. Antes, o reformismo tinha uma base concreta alicerçada na própria contingência histórica daquele momento em que a teoria nada mais poderia ser do que expressão do refluxo das lutas operárias. Nesse sentido, afirmava Korsch:

por mais que se ativessem ao ABC da teoria marxista, [os membros da Segunda Internacional] não puderam conservar verdadeiramente o seu caráter revolucionário original: também o seu socialismo científico fora inevitavelmente transformado em algo diverso de uma teoria da revolução social. Durante o longo período em que o marxismo se propagou lentamente sem ter qualquer tarefa revolucionária a desempenhar na prática, os problemas revolucionários, para a grande maioria dos marxistas (...), deixaram de existir no plano teórico como problemas do mundo real (KORSCH, 2008, pp. 43-4).

O marxismo, nesse período de arrefecimento da luta de classes, transformou-se em uma ciência que desconhecia qualquer relação com a práxis revolucionária. Seus teóricos a concebiam como algo distante, relegada a um futuro longínquo ou, até mesmo, transcendente. Mesmo que os congressos das principais organizações proletárias (dentre elas a II Internacional e os partidos operários) afirmassem o contrário, o que ocorria efetivamente era a vitória do reformismo nas ações dos sindicatos (como se pode notar na tão famigerada separação entre luta política e luta econômica). Isto, por sua vez, refletia-se na própria teoria, por meio da fragmentação do saber numa soma de conhecimentos puramente científicos, ou seja, completamente autônomos diante da luta de classes. Para ilustrar tal fato, Korsch tomava como exemplo o eminente economista marxista da II Internacional, Rudolf Hilferding. Segundo o autor, quando o economista afirmava ser possível compreender cientificamente os fenômenos do desenvolvimento capitalista sem relacioná-los à luta de classes, ele acabava por fazer que sua teoria não desembocasse mais em práxis revolucionária, mas conduzisse “a toda uma série de tentativas de reforma que não ultrapassam em princípio o quadro da sociedade burguesa e do estado” (KORSCH, 2008, p. 42).

Com isso, tornava-se possível afirmar uma homologia entre a fragmentação do conhecimento em esferas especializadas e o reformismo das organizações operárias: assim como um sindicato não consegue conciliar luta econômica e luta política num período de declínio das ações revolucionárias, a teoria não consegue ver sua relação com a ação política emancipadora. Desta forma, o vínculo entre marxismo e filosofia se perdeu. Portanto, por força do contexto histórico específico do final do século XIX, o marxismo deixou de lado seu potencial revolucionário para se transformar numa força compromissada com a ordem existente.

II. Marxismo, revolução e filosofia


Quando Korsch estabeleceu o diálogo entre teoria e história da luta de classes, ele o fez a fim de demonstrar que a produção teórica não paira acima do real, não é uma esfera autônoma diante da sociedade e de seus conflitos[4]. A partir de sua leitura dos escritos do jovem Marx, evidencia-se que a teoria é uma força material, uma vez que sua origem não se encontra para além dos homens reais em processo de interação. Por isso, Korsch entendia que “é da essência do materialismo moderno conceber teoricamente e tratar praticamente as criações espirituais, tanto a filosofia como qualquer outra ideologia, como realidades” (KORSCH, 2008, p. 48).

Com base nisso, compreende-se a reviravolta causada no interior do marxismo quando o período reformista que tanto prejudicara o movimento operário começou a dar sinais de falência, sendo substituído por um novo período de lutas revolucionárias. Segundo Korsch, tal processo de passagem do reformismo para o embate revolucionário significaria uma nova etapa no âmbito da produção teórica: diante do proletariado ativo e combativo, os pensadores marxistas deveriam abandonar a visão reformista e retomar o marxismo revolucionário de Marx e Engels.

Com base na crítica de Lênin (2010) – e também de Luxemburgo (2005) –, Korsch demonstrava que, diante das novas jornadas revolucionárias do proletariado, a teoria reformista originada entre os intelectuais do período da história do marxismo reunidos em torno da II Internacional[5] já não podia mais dar conta da realidade imposta pela volta da ação revolucionária ao cenário histórico. Precisava, por isso, ser combatida para que as energias emancipadoras da classe operária em luta não se esvaíssem. Como afirmava nosso autor:
 
teóricos como Rosa Luxemburgo, na Alemanha, e Lênin, na Rússia, na realidade não fizeram e não fazem mais do que responder às exigências práticas do novo período revolucionário da luta de classes, rejeitando as tradições paralisantes do marxismo social-democrata [reformista] do segundo período, que pressionam “como um pesadelo” as próprias massas operárias, cuja situação social e econômica objetivamente revolucionária já há muito não corresponde mais àquelas doutrinas evolucionistas (KORSCH, 2008, p. 44).

De acordo com Korsch, Lênin teria feito aquilo que todos os intelectuais da II Internacional não conseguiram: fundamentar a teoria com base na revolução. Com esse espírito foi escrito O estado e a revolução, livro que gira em torno da obra de Marx e Engels sobre esta interessante relação (utilizando-se dos ensinamentos contidos no Manifesto do partido comunista [cf. MARX; ENGELS, 1998] e n’A guerra civil na França [cf. MARX, 2011]) a fim de afirmar a necessidade da revolução protagonizada pelo proletariado organizado em partido, com o objetivo de derrubar e destruir a máquina de estado burguesa.

Lênin, ao dar relevo em seus estudos à política revolucionária, conseguiu retomar a base em que se alicerçava a teoria de Marx e Engels ao criticar a tradição reformista da II Internacional, cuja característica mais recriminável, aos seus olhos, era considerar relevante para o marxismo tão somente o estudo da esfera econômica, como algo autônomo diante da luta de classes. Assim, o reformismo, segundo Lênin, desprezaria todas as outras esferas constitutivas da realidade, como a filosofia, por exemplo, restringindo a análise somente à defesa de melhorias econômicas por meio da ação reformadora do estado.

Por isso, O estado e a revolução de Lênin (2010) foi de grande valia para Korsch. Ao fazer valer o peso da política revolucionária na interpretação da obra de Marx e Engels, ou seja, ao retomar a relação que o marxismo estabeleceu entre teoria e práxis revolucionária, as ideias do autor serviram de inspiração para recolocar outra relação esquecida pelos intelectuais da II Internacional e intimamente ligada a esta: a que existe entre marxismo e filosofia.

Inspirado no debate em torno da relação entre os comunistas e o proletariado feito no Manifesto do partido comunista, Korsch afirmava que o marxismo é a expressão do movimento operário revolucionário. Ou seja, ressaltava a íntima relação entre teoria e práxis que faz do marxismo o legítimo herdeiro da filosofia clássica alemã. Mas, alertava o autor, no marxismo tal relação não se dá nos mesmos moldes da antiga dialética idealista de Hegel[6], em que o pensamento existe independentemente do ser, como uma essência autônoma que em seu movimento interno acaba por transformar também a realidade; e sim nos moldes da dialética materialista, em que o conjunto das ideias só pode surgir da mente de homens reais vivendo em intercâmbio entre si, ou seja, vivendo em sociedade. Deste modo, o marxismo, por ser expressão dos embates do proletariado com a ordem burguesa, somente pode ser considerado herdeiro do pensamento de Hegel caso se tenha em mente que ele o supera e o suprime, realizando o seu método numa nova base materialista, do mesmo modo que supera e suprime a própria ordem de onde surgiu tal pensamento: a sociedade burguesa. Imbuído desta ideia, escreveu o autor:

A consciência burguesa, que, necessariamente, se pretende autônoma em face do mundo, como pura filosofia crítica e ciência imparcial, do mesmo modo como o estado e o direito burgueses, que parecem situados autonomamente acima da sociedade – esta consciência deve ser igualmente combatida no plano filosófico pela dialética materialista revolucionária, a filosofia da classe operária, até que seja, ao fim desse combate, totalmente superada e suprimida no plano teórico, simultaneamente à total transformação, no plano prático, da sociedade existente e de suas bases econômicas. (KORSCH, 2008, p. 63)

Não é por menos que a teoria marxista, ao ser herdeira da dialética hegeliana, só pode realizar os seus anseios mais íntimos (estabelecer uma relação efetiva entre filosofia e realidade) superando-a a partir de uma abordagem materialista do método dialético, pois somente este pode expressar a luta revolucionária do proletariado contra a dominação burguesa. Como Marx e Engels afirmaram:

as proposições teóricas dos comunistas não se baseiam de forma alguma em ideias, em princípios inventados ou descobertos por esse ou aquele reformador do mundo. Elas são apenas expressões gerais de uma luta de classes existente, expressões de um movimento histórico que se desenrola sob os nossos olhos (MARX; ENGELS, 1998, p. 21).

Aqui, segundo Korsch, tratava-se de ressaltar o lugar do marxismo na luta de classes. Para o autor, o marxismo é uma teoria inseparável da práxis, pois nasceu em solo capitalista, como expressão da luta política revolucionária do proletariado e, por isso, constitui-se como uma força de transformação da ordem existente em sua totalidade. Portanto, o pensamento marxista não é considerado uma teoria pretensamente pura, intocada pela realidade efetiva, mas, pelo contrário, “uma teoria da revolução social que abrange, na sua totalidade, todos os domínios da vida social” (KORSCH, 2008, p. 46). Por isso, é possível estabelecer o engenhoso raciocínio da obra de Marx e de Engels como elemento teórico e prático da supressão não só de todas as ideologias (dentre elas a filosofia), mas também de todas as condições materiais que tornaram possível a existência dessas mesmas ideologias.

Desse modo, Korsch, apesar de considerar de extrema importância a transformação do modo de produção capitalista como projeto revolucionário, em momento algum colocou o mundo espiritual (as ideologias) como algo secundário. Para o autor, a transformação da base material, propiciada pelo movimento de tomada do poder do estado burguês e sua destruição, está relacionada imediatamente ao movimento de realização e superação da filosofia clássica alemã. Conforme nos mostra o Manifesto do partido comunista e mesmo O estado e a revolução, é tarefa do proletariado revolucionário destruir o estado burguês e, com isso, destruir todas as formas de estado, pois este “é o produto e manifestação do antagonismo inconciliável das classes” (LÊNIN, 2010, p. 27), a forma de organização jurídica de todas as sociedades baseadas na dominação do homem pelo homem.

Ora, se a base material é inseparável da base ideológica, pode-se afirmar que é tarefa do marxismo não apenas superar as bases ideológicas do capitalismo, mas toda a ideologia que foi, ao longo da história, a base espiritual da dominação material. Com isso, o marxismo, afirmava Korsch, não só procura superar a filosofia clássica alemã, mas a filosofia em geral, pois, para a teoria de Marx e Engels, não se trata nem de formar uma nova filosofia nem, como já afirmamos, de ignorá-la: trata-se sim de superá-la por meio da realização daquilo que ela mesma não pode cumprir devido ao fato de ser expressão da classe dominante: a revolução. Sobre isso, Korsch escreveu no início do ensaio:

Já Marx e Engels, que com firmeza e insistência sublinharam que o movimento operário alemão recolhera no “socialismo científico” a herança da filosofia clássica alemã, não entendiam por esta recolha que o socialismo científico ou o comunismo fosse essencialmente uma filosofia. Ainda mais: eles lhe atribuíam a missão de “superar” (aufheben) e “suprimir” (überwinden) definitivamente, no seu conteúdo e na sua forma, não apenas a filosofia idealista burguesa até então desenvolvida, mas, simultaneamente, toda filosofia em geral. (KORSCH, 2008, p. 23)

Neste aspecto, a ideia da herança em Korsch ganha em originalidade porque se encontra nas suas entrelinhas uma interpretação da teoria da história de Marx e Engels que nos mostra que o marxismo não se define pelo esquecimento do passado, mas como um acerto de contas com ele. Mas tal acerto de contas não pode se desenrolar como se fosse uma volta no tempo, pois se executa no momento presente (na ordem material e espiritual do capitalismo) e visa à construção de um novo futuro. É neste sentido que compreendemos o porquê de Korsch indicar que o marxismo precisa constituir-se como ciência (“socialismo científico”) e também o porquê de esta ciência não poder prescindir da filosofia. Ora, por ser expressão do movimento revolucionário do proletariado que tem como objetivo não mais substituir uma forma de dominação por outra qualquer, mas libertar os homens de qualquer forma de dominação, o marxismo precisa superar na teoria e na prática toda a filosofia do passado (a “filosofia em geral”), superando a filosofia que expressa a dominação em seu momento presente (a filosofia clássica alemã). Neste aspecto, o marxismo transforma-se em crítica da economia política, pois somente esta consegue superar na teoria e na prática o idealismo alemão, concebendo a filosofia como produto da consciência do homem que vive no mundo e que, ao mesmo tempo, é expressão deste mundo. Portanto, a realidade da base material e a base espiritual/ideológica já não podem mais se separar, mas precisam ser vistas como duas partes integradas da totalidade social. Nas palavras do autor, o marxismo:

reconheceu que todas as relações jurídicas e políticas, como todas as formas da consciência social, para serem compreendidas, não podem ser tomadas em si mesmas nem a partir do desenvolvimento geral do espírito humano (como o faziam a filosofia hegeliana e pós-hegeliana), porque elas têm suas raízes nas condições materiais de existência que constituem “a base material e a ossatura” do conjunto da organização social. A partir daí, uma crítica radical da sociedade burguesa não pode mais, como Marx escrevia em 1843, tomar qualquer forma de consciência teórica e prática: deve tomar aquelas formas que encontraram a sua expressão científica na economia política da sociedade burguesa. A crítica da economia política passa, assim, ao primeiro lugar, tanto na teoria quanto na prática. Contudo, esta forma mais profunda e mais radical da crítica revolucionária de Marx à sociedade não deixa de ser uma crítica de toda a sociedade burguesa e, pois, também de todas as suas formas de consciência (KORSCH, 2008, p. 56).

Considerações finais

Conforme vimos, Korsch pensava a relação entre marxismo e filosofia ao modo da Aufhebung [suprassunção]. Para o autor, afirmar que o marxismo é herdeiro da filosofia não significa que ele a continua, mas sim que ele a supera por meio de sua própria realização. O marxismo pensa, assim como o idealismo, que a história é resultado do movimento dialético, porém, ao contrário deste, recusa que a atividade provenha do conceito/Ideia/Espírito. A grandeza do marxismo, de acordo com Korsch, está em ter afirmado que a história é mobilizada pela atividade humana, pela práxis revolucionária de uma classe social que procura, por meio da luta política, transformar não só as ideologias que mantiveram a ordem embasada na dominação (inclusive a filosofia), mas também todas as condições objetivas que proporcionaram a existência delas. Portanto, segundo Korsch, a filosofia pode ser superada somente porque a teoria marxista é expressão da práxis política revolucionária do proletariado. Assim, a suprassunção da filosofia pelo marxismo significa também a abolição das relações materiais de produção capitalistas e de todas as relações materiais (e também ideológicas) que embasaram a dominação ao longo da história.

Por certo, conforme bem aponta Netto em seu escrito que apresenta o Marxismo e filosofia de Korsch, tal ponto de vista acerca da relação entre teoria e práxis é imediata e direta. Isso não poupa o seu ensaio de problemas teóricos e práticos. Embora a inspiração leniniana ressalte aspectos fundamentais do marxismo – como é o caso do reencontro com a práxis, da consciência como produto do ser e da redescoberta da dialética –, Korsch esqueceu algo que era caro ao próprio pensamento e atividade política de Lênin (para não citar Marx e Engels). Em seus estudos sobre o revolucionário russo, Korsch parece ignorar que a conquista e a destruição do estado é repleta de mediações extremamente complexas.

Como bem sabemos, nosso autor se contentou com a simples fórmula que afirma o marxismo como expressão do movimento revolucionário, sem nada dizer sobre este movimento, sua organização, sua tática etc. No âmbito teórico, tal identidade apressada e sem mediações tem consequências não menos graves, pois a abrupta relação que Korsch estabeleceu entre teoria e práxis não nos ajuda a compreender como se dá efetivamente a Aufhebung da filosofia na história.

Embora salientasse que a filosofia tem seu nascedouro na realidade, Korsch pouco entendeu sobre como se constitui o real, uma vez que nada disse sobre a atividade intransponível e sempre necessária de intercâmbio do homem com a natureza: o trabalho como produtor de valores de uso. Ao deixar de lado tal questão, nosso autor não pôde explicar efetivamente as mediações que levaram ao advento da filosofia, assim como as mediações que nos permitem pensar as possibilidades objetivas de sua suprassunção pelo marxismo. Em suma, diante da impossibilidade de debater a relação do homem com a realidade objetiva mediante a atividade trabalho, a formulação de Korsch acerca da redescoberta do marxismo como herdeiro da filosofia não escapava a certa abstração. Isso porque todo o desenvolvimento teórico que Korsch levou a cabo em torno dessa temática tão importante para combater o legado deixado pelo marxismo vulgar propagado pela II Internacional somente pode aparecer como obra de uma práxis político-revolucionária que surge e se desenvolve espontaneamente, sem qualquer explicação na base da concretude histórica do real. O resultado disso não poderia ser outro: a dissolução da particularidade da teoria na práxis.

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Notas
[1] Na apresentação do livro de Korsch editado pela Editora da UFRJ, Netto ressalta que esse arquivo ficou conhecido pelo nome de Grünsbergs Arquiv (Arquivo de Grünberg), fazendo referência ao seu editor Carl Grünberg, que fora professor da Universidade de Viena no final do século XIX e que assumira em 1924 o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Fora isso, neste periódico foram publicados textos de Lukács, dentre eles “Moses Hess e o problema da dialética idealista” (cf. NETTO, 2008, pp. 19-20).
[2] Sobre a relação entre Marx e Hegel, ver Korsch (2008, p. 25).
[3] Sobre a questão do reformismo na Segunda Internacional, ver a competente síntese elaborada por Ricardo Musse (2010, p. 140).
[4] Interessante notar que esta interpretação de Korsch, embora ressalte o peso da realidade objetiva como locus primário de desenvolvimento da filosofia, ainda não adquiriu o estatuto ontológico da análise de Marx tão reivindicado pelo Lukács de Para uma ontologia do ser social (2012) nem por Chasin em Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica (2009).
[5] Tais como Hilferding e, por que não citar, Bernstein que, com sua teoria social-democrata, pregava de maneira evolucionista, como tarefa do movimento operário, a execução de uma política de reformas econômicas para promover a constante melhoria das condições de vida da classe trabalhadora a fim de que, com o passar do tempo, se desse a transição para o socialismo. Cf. Luxemburgo (2005).
[6] Segundo Engels em Anti-Dühring: “Hegel era idealista, o que quer dizer que em vez de considerar as ideias do seu espírito como os reflexos mais ou menos abstratos das coisas e dos processos reais considerava, inversamente, os objetos e o seu desenvolvimento como simples cópias realizadas a partir da ‘Ideia’ que existia não se sabe onde desde antes do mundo.” (ENGELS, 1976, p. 30)
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Referências bibliográficas
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CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.
ENGELS, F. “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”. In: MARX, K; ENGELS, F. Obras escolhidas v. III. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, s/d.
______. Anti-Dühring. Lisboa: Dinalivro, 1976.
KORSCH, K. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
LÊNIN, V. O estado e a revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. I. São Paulo: Boitempo, 2012.
LUXEMBURGO, R. Reforma ou revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2005.
MARX, Karl. A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. Estudos avançados. São Paulo, Edusp, n. 34, v. 12, 1998.
MUSSE, R. “Marxismo e filosofia”. In: Margem esquerda. São Paulo: Boitempo, n. 17, 2011.
NETTO, J. P. “Apresentação”. In: KORSCH, K. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
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Resumo: O presente artigo procura analisar como Karl Korsch, em seu ensaio Marxismo e filosofia, redescobriu a relação entre o pensamento de Marx e a filosofia de Hegel. Com base em Lênin e Marx, Korsch pôde perceber que o marxismo é herdeiro da dialética idealista de Hegel não no sentido de que ele a copiou, mas no de que ele a realizou apenas quando a superou. Procurando demonstrar tal argumento, verificamos dois momentos da história do marxismo do final do século XIX e início do XX: o arrefecimento da luta de classes e sua posterior ascensão. Consideramos tal movimento fundamental para compreender que a redescoberta do marxismo como herdeiro da filosofia hegeliana só foi possível por meio da formação e ascensão do proletariado como classe revolucionária.

Palavras-chave: Karl Korsch; Hegel; marxismo; filosofia; revolução.

The Marxism is heir of Philosophy: reflections on Karl Korsch

Abstract: This article aims to analyse how Karl Korsch, in his essay Marxism and philosophy, rediscovered the relationship between Marx´s thought and Hegel’s philosophy. Based on Lenin and Marx, Korsch could see that Marxism is heir of Hegel-s idealistic dialectic, not by copying it, but by overcoming it. To prove this , we see two moments in the history of the end of the nineteenth and early twentieth centuries: the cooling of class struggle and its subsequent rise. We consider such fundamental movement to understand that the rediscovery of Marxism as heir of Hegelian philosophy was only possible through the formation and rise of the proletariat as a revolutionary class.

Key words: Karl Korsch; Hegel; marxism; philosophy; revolution.
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SANTOS DIAS, F A. dos. “O marxismo é herdeiro da filosofia: reflexões sobre Karl Korsch”. In: Verinotio. n. 20, Ano X, out./2015.
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